MINHA INFÂNCIA NA
FAZENDA LABEGALINI
O futebol domingueiro era sagrado.
Mensalmente havia missa na pequena Igrejinha.
A tulha,
construída no tempo da escravidão era local escolhido para todo tipo de
lazer : teatro de marionete, mágica, baile e também para trabalho, em destala
de fumo.
Bepino Vaidissera, que morava na fazenda,
construtor de primeira, trabalhador e inteligente, era quem manejava os bonecos
(trazidos da Itália). Esse teatro de marionetes era muito apreciado.
Ele ficava escondido acima do pequeno palco segurando as cordinhas
que prendiam os bonecos. As piadas e situações engraçadas faziam a platéia se
alegrar. O boneco “Briguelo” era o mais assanhado.
Este
dirigia-se ao tio Batista e ordenava :
-Seu Batista,
toque uma marchinha na sua sanfona que tô louco prá dançar com a “Cocota“.
Havia também
os bonecos “Gaspar” e “Lucifer”. Este só aprontava. Aqui em Monte Sião residem
os descendentes de Bepino Valdissera.
Também um mágico fazia suas apresentações na tulha:
pedia 2 chapéus , exibia para que todos vissem que não havia nada dentro
dele, colocava aba com aba , balançava e
passava a varinha mágica. Quando mostrava para a platéia, os dois chapéus
estavam cheios de cigarros, chupetas, calcinhas, sutiãs. Todos ficavam
abismados.
Algumas noites
havia jogo de tômbola.
Tinha também
uma escola e a primeira professora foi dona Benedita Curimbaba, de Jacutinga.
Em outubro de
1994 publiquei uma crônica no “Jornal Monte Sião” recordando aquela época. Foi
assim:
MEUS TEMPOS DE CRIANÇA
Romildo
Labigalini
“De
manhãzinha , o sol ainda dormindo , acordei com o trinado de um pássaro,
pousado num mamoeiro em frente a minha janela. O ‘seresteiro’ era um
pintassilgo e seu canto estava tão lindo que não mais consegui conciliar o
sono. Minha memória começou a remexer no seu baú, e me veio a lembrança de
quando eu era garoto na Fazenda Labegalini , município de Jacutinga.
***
Meu
nono chegou ao Brasil, como imigrante, em 15 de maio de 1895. Na região onde
ele nasceu (Volciano- Itália), era tradição que todo habitante masculino usasse
brinco na orelha esquerda. Nono também usava brinco... mas ele era MACHO ,
MUITO MACHO ! Certo?
***
Passei minha feliz infância nessa fazenda. Acordava cedinho (para ter
mais tempo para brincar). O aroma delicioso do café feito no fogão de lenha e
passado no coador de pano evolava pela casa. O leite tirado na hora, pão
caseiro, queijo sobre a grande mesa de madeira forrada com toalha bordada á mão
ficava mais delicioso. E o vinho também, que até nós crianças também tomávamos
um golinho.
Eu
também gostava muito de caçar passarinhos. Armava uma arapuca na roça, jogava
milho dentro e esperava. Quando ela desarmava, eu ia correndo para ver qual
passarinho havia pego. Se
era grande, servia para o jantar, se fosse pequeno soltava. Também caçava com
estilingue. Ficava em baixo dos pés de frutas, esperando. Quando assentava uma
sabiá-laranjeira, era uma festa. Uma pelotada, ele já caia mortinho.
***
O preto véio Luizinho fez uma carrocinha para
mim. Sua ‘oficina’ era ao ar livre, embaixo de um grande pé de paineira.
Eu
tinha um bode com um cavanhaque deste tamanho (aqui em Monte Sião tem um cara
com cavanhaque idêntico). Colocava a carrocinha no bode e começava o
‘transporte’. Hora de almoço, levava os caldeirões de comida para a roça. Na
volta trazia lenha. Depois do almoço levava as panelas para serem lavadas no
rio e ao invés de esponja de aço usava-se areia e sabão de cinza para arear as
panelas. Aproveitava também para escolher as melhores pedrinhas para o
estilingue. Para mim não havia vida melhor.
***
Na fazenda, durante a semana trabalhava-se
muito. Mas na folhinha, felizmente, havia o sábado , e um esperado baile na
tulha reanimava a alma. As mãos grossas e as delicadas iam se tocar, dançar,
talvez amar... O conjunto musical composto pelos tios , com suas musicas
alegres, mexia com o corpo e o coração dos dançarinos. Também tinha um trio musical formado pelos irmãos
Olga Labegalini (canto), Sebastião (canto e violão) e Luiz Labegalini
(cavaquinho). Após trabalharem a semana toda, eles ainda tinham ânimo e energia
para embelezar as noites com suas belas melodias.
A
parte religiosa também se fazia presente.
Além das missas mensais, todos os anos realizavam-se as ‘Missões’. O
padre Estevão vinha rever o seu redil. Na pequena capela não cabia tanta gente
e a missa era campal.
Até
hoje , todos os anos, a festa no Bairro Lebegalini ainda continua : missa,
almoço, leilão, e futebol ... É uma festa de confraternização, onde os amigos e
parentes se reencontram.
***
Na
fazenda tinha um pouco de tudo para sua sobrevivência : pecuária, agricultura,
engenho de cana onde se fabricava melado, açucarão e rapadura. O moinho , com
seu rodão d’água , pedras triturando o milho , surgindo o finíssimo fubá mimoso
para se fazer a deliciosa polenta – que era colocada numa taboa redonda (tavelo) e cortada com linha – ah, a
polenta da nona...
No
pomar havia um grande pé de jacatiá, com seu fruto oval, azedinho e comia-se
frito. Nunca mais encontrei essa fruta.
Já
viu italiano que não goste de vinho? A produção era nossa mesma, artesanal e
caprichada, somente para consumo próprio.
Um
imenso parreiral plantado pelo nono fornecia as saborosas uvas. Quando os
parentes se reuniam, tomando vinho e, emotivos como eram (e somos), recordavam
da querida e saudosa Itália com lagrimas nos olhos de criança que a tudo
assistia , gravaram na minha mente aquelas cenas. A minha bebida preferida
ainda é o vinho.
Nona
Lucia era quem nos socorria quando estávamos doentes. Seus conhecimentos sobre
ervas, raízes e outros recursos naturais eram invejáveis. Certa feita, meu
primo Romeu quase aparou o dedo com um facão. Como sempre, a nona fez o
curativo usando picumã de fogão de lenha e ervas. Ficou perfeito.
***
O esporte também era essencial e saudável.
Aos domingos, um bom campo de futebol aguardava a chegada dos fanáticos
jogadores. Ao lado do campo uma frondosa e cinqüentenária paineira, com suas
alvas painas esvoaçando ao vento e os longos galhos, qual mãos protetoras
distendidas- como se fosse uma mãe protegendo os filhos, oferecia sua abençoada
sombra á fiel torcida. (Nossos travesseiros eram feitos dessas painas, tão
macios e aconchegantes).
Quando disputavam uma partida com um time de fora, o jogo era violento,
exigindo garra e raça. Isso a italianada tinha de sobra.
Uma
foto antiga do time dos Labegalini, pendurada na parede da casa do meu pai
conta a história de uma disputa acirrada contra o famoso S.N.I. (Sociedade Nova
Itália), da cidade de Jacutinga. O resultado foi um empate. A comemoração foi
um jantar de confraternização na fazenda, regado a vinho. A alegria estampada
nos rostos dos jogadores dos dois times demonstrava que o resultado foi justo.
***
O
caminhão amarelo do Toniquinho Montovani trouxe nossos pertences. De meu,
trouxe somente a saudade e meus sonhos de menino. A alegria e a felicidade não foi possível
trazê-las , não cabiam no caminhão.
Ficaram
por lá, desamparadas e tristes ... Sempre que posso vou visitá-las os nossos
teretetês.”
FABRICAÇÃO
DO VINHO CASEIRO
Na
fazenda Labegalini havia uma grande parreiral plantado pelo nono Luigi e seus
filhos. Tinha dois tipos de uvas:
1-) Uva de mesa. Essa era saboreada “in
natura” , tinha rosada e branca.
2-) Uva para fabricação do vinho. Eram
pequenas e só serviam para vinho.
Esse
parreiral era chamado de “Vinhetto” por nossa família de italianos. O nono
sempre dizia uma frase relacionada com o parreiral, como se os pés de uva
falassem:
-
“Me faccia povero che ti faró rico”. Traduzindo:
(“Faça-me pobre que te farei rico”)...Poda-me bastante os galhos para eu
produzir mais.
O
vinho, quando bebido moderadamente, faz bem à saúde, alegra o espírito e
convida à partilhar com outras pessoas o prazer de bebê-lo. O vinho artesanal
tem um toque especial.
GRÃO – Do grão sai a polpa, casca e semente,
um suco incolor, ácido e açucarado, que dá origem ao mosto. A parte interna da
casca contém corante e substâncias aromáticas, responsáveis pela cor, aroma e
sabor do vinho. A uva era colhida nas primeiras horas da manhã ou no final da
tarde, sempre que possível seca do orvalho e da chuva. Era para garantir a
qualidade do vinho.
A
uva, depois de lavada e tirado o cabo, era colocada num barril pela metade.
Lavava-se os pés das crianças e as colocavam dentro do barril para pisoteá-las.
As crianças eram escolhidas para não esmagar as sementes. Se isso acontecesse,
o vinho ficaria amargo. – Eu muitas vezes entrava no barril e amassava as uvas
com os pés.
MOSTO –É o derivado da uva após serem
pisoteadas. Era a casca, o suco e as sementes. Contém 80% de água e 20% de
açúcar, sais minerais, proteínas e fermentos.
FERMENTAÇÃO – O mosto era colocado em um
barril sem tampa, coberto apenas com um pano. Tudo isso para evitar a entrada
de moscas ou abelhas e fazer o oxigênio ativar os fermentos, iniciando assim o
processo de fermentação.
Duas ou três vezes ao dia a massa era
mexida para incorporar o oxigênio ao mosto. Verificava-se através do paladar o
seu teor de açúcar. Se não estivesse com o gosto desejado, adicionava-se açúcar
e mexia vigorosamente. Esta fase durava quatro dias. No quinto dia o mosto
ficava em repouso.
Durante
o repouso as sementes se depositavam no fundo e a casca ficava na superfície do
líquido. Este era coado com pano e transportado para outro barril. Nesse barril
o liquido ficava totalmente cheio, para evitar a entrada de oxigênio.
Fechava-se o barril, deixando um pequeno orifício, onde era colocada uma
mangueira transparente para sair o gás. A outra ponta da mangueira ficava
mergulhada em um frasco com água colocado abaixo do nível do barril.
Em
função da pressão interna do barril, o gás borbulhava na água do frasco
impedindo o retorno do oxigênio e garantindo a qualidade do processo. Essa fase
durava aproximadamente 40 dias ou ate quando o frasco parasse de borbulhar. Era
o fim da fermentação.
No
fundo do barril ficava a “borra”. O vinho era transferido para outro barril
através de uma mangueira, com cuidado para não deixar entrar a borra. Todo esse
cuidado era para não alterar o sabor do vinho e turvá-lo.
O barril era colocado em um lugar escuro
e fresco para o envelhecimento do vinho, mais ou menos 30 dias.
Passado esse tempo, procedia-se o
engarrafamento em garrafões ou garrafas. Estes eram guardados deitados para
garantir a umidade da rolha e prevenir a entrada de ar. Com a casca da uva –
graspa – fazia-se vinagre.
No
porão da nossa casa ficava a “adega”, local fresco e um pouco escuro. A
produção do vinho era somente para consumo próprio.
Álbum de Família
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Da esquerda para a direita : minhas irmãs Irene e Doraci, eu e minha pequena irmã Elsa fazendo pose, observe o seu lindo sorriso. Até hoje ela está sempre sorridente-Fev.1951. |
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Meu pai e eu-1950. |
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Meu filho Marcelo no colo do seu padrinho José Claudio Faraco, ao lado de sua esposa Lucila-1985. |
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Eu e minha esposa Nilza-1997. |
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Nós. ♥ |
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Festa do meu casamento. Os que estão deitados, estão todos "beudos"-Fev. 2002. |
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Minha filha Meire, meu genro Guto e Mônica , eu e a Nilza e meu filho Márcio . |
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Eu e meus filho, dia dos pais - 2010. |
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Meu filho Márcio (de camisa azul) visitando parentes na Itália. |
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Eu e meu irmão Tadeu na "nossa" fazenda Caratimbé em Bom Sucesso-PR. Os nossos chapéus estavam pendurados na parede da sede da fazenda do Tidinnho. |
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Atrás de mim minha nora Ivanir. Ao meu lado Nilza e nossa amiga Denise. |
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Meu filho Marcelo e seu filho Pietro. |
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Minha filha Meire e meu neto Giovanninho - 1992. |
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Minha nora Ivanir com seu marido Márcio, Denise e Giovanninho - 2011. |
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Minha neta Giulia. |
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Minha filha Meire com meus netos: Giovanninho, Isabella e Luigi. 1999. |
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Meu filho Marcelo com seu sobrinho Gabriel (no colo) e seu filho Pietro mais acima . |
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Meus filhos Márcio e Marcelo. |
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Eu e meu filho Márcio - Dia dos Pais 2011. |
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Eu e meus filhos comemorando o dia dos pais no chalé de minha filha Meire - 2011. |
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Minha filha Meire plantando coqueiro em seu chalé. |
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Meu filho Marcio com sua esposa Ivanir. |
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Meu primo Irineu Labigalini (á esquerda), e eu . 1956. Irineu reside em Londrina - PR. |
Olá Romildo, boa tarde.
ResponderExcluirMeu ome é Alaor Zacardi, e eu era filho de Paschoalina Labigalini, irmã de João Gottardo Labigalini, de Campinas/SP.
De certa feita, estive em Monte Sião para disputar uma partida de futebol, e tive a oportunidade de conhecer Primo Labigalini, que mui gentilmente me recebeu em sua residência e que, juntamente com Rita, me mostrou a árvore genealógica da família, onde, para minha surpresa, já figuravam meu nome e os da minha esposa e filhos, o que muito me sensibilizou.
Recentemente me ocorreu a ideia de criar um ACERVO DE FOTOS DA FAMÍLIA, é dizer, dos parentes em linha direta e também dos parentes, por assim dizer, agregados.
Você enxerga a possibilidade disso ser feito?
Meus dados para contato são os seguintes:
a) email: alaorzacardi@yahoo.com.br, e,
b) telefone: (19) 994335677.
Em todo caso, posso tomar a iniciativa de fazer outros contatos, via internet, a bastar para tanto, que me informe seu email.
Um forte abraço.
Alaor Zacardi