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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Descendo a Rua Direita


(Márcio Labigalini, 18 de fevereiro de 2013)


Meu ponto de partida é a praça de Monte Sião. Dentro do coreto, de frente para a Igreja, ainda vejo os ciprestes antigos do meu pensamento de menino, aquelas obras de arte do “Seu Estevão”. Giro um pouco para a direita e vejo o antigo casarão dos Pennacchis na esquina. Inicío, então, a minha descida pela Rua Direita.
Rapidamente sou guiado pelo cheiro de um doce familiar e entro na padaria à minha esquerda. Do lado de lá do balcão vem o Mário Labegalini ao meu encontro, que me serve um bombocado, com seu tradicional “oooobrigado”. Saio da padaria e vejo os irmãos Zucato, o Ney e o Rubens, na farmácia ao lado. Continuo minha descida e do lado esquerdo vejo outra farmácia do Sr. Assumpto Volpini e lá dentro o “seu“ Raimundo (todo de branco) lendo algo interessante.
Um pouco mais a frente ainda à esquerda, vejo o Aurélio Jacomassi saindo de sua casa. Então, vejo o Bar do Peri e lá dentro o “seu” João e o Toninho Comuni conversando. Cumprimento os dois que me acenam alegremente.

Escuto as batidas das bolas de bilhar e vejo o Vitório Cétolo em seu bar na esquina em frente. Na outra esquina vejo o casarão dos Canelas e corro pra casa da nonna Narcisa Comuni. Antes de chegar, passo correndo pelo “seu” Renato Franco Bueno e sinto o cheiro de couro da sua loja, onde fabrica selas.

Dou duas batidinhas na porta da casa da nonna e entro, como sempre fazia. Na salinha à direita vejo o “Tio” Lúcio Canela conversando com seu pai, o Adolpho Canela, que ainda estava em sua cadeira de rodas. Peço “bença” aos dois e corro prá cozinha. Lá dentro aquela enorme mesa, eu tão pequeno e ela tão alta, cheia de macarrão caseiro e gnocchi na farinha, onde não resisti, estiquei os pés e peguei um. Assim que coloquei na boca a nonna Narcisa veio brava (com seus olhos claros) e disse-me que comer cru fazia mal. Colocou o pano de prato nas costas e chamou:

 - Maria!

Vejo então a minha madrinha entrando, já com seus cabelos brancos, mas sem a bengala. Pedi sua benção, me lembrei do vô Último Labegalini e saí correndo da casa da nonna.

Do outro lado da rua vi o Davino trabalhando no açougue. Mais abaixo vi o professor Carlinhos Francisco, sorrindo -me e acenando a mão. Ao lado da sua casa vi a antiga central telefônica e entrei. Lá a telefonista parecia enroscada em meio à tantos cabos e vi o número 165, telefone do meu avô.

Saí de lá e vi o Flívio Monteiro e sua mulher dona Odila Andretta. Antes do hotel, vi o Miltão de Castro e logo a seguir, o Rafael Guarani, com seus eternos óculos escuros. Senti o cheiro de pão e vi o “seu” Pedro Galbiati e sua esposa dona Palmira na padaria. Entrei e pedi um arroz-doce. Saí de lá e vi o “seu” Plácido Bernardi em sua loja descansando na cadeira de balanço.

Na janela da casa da esquina do lado direito, vi a avó Emília Gotardello conversando com seu filho Jair Zucato.

Ouvi então um violão e uma clarineta. Na outra esquina, dos Moteranis, estavam ensaiando o Ugo Labegalini e o Pascoal Andreta, que me chamou de Rumirdinho.

Olhei para a casa do meu avô e vi um menino cabeludo descendo as escadas com as chuteiras nas mãos. Subi a escada vermelha, abri a maçaneta da porta e entrei, mas lá dentro não havia ninguém.

Desci correndo e vi o menino indo na direção do campo de futebol da Prainha, perto do rio no final da rua.

Na casa a seguir ouvi uma conversa com sotaque italiano e lá estavam o Tio Batista e Tio Antônio, mas não o meu avô. Perguntei onde ele se encontrava e disseram-me que tinha ido ver o Luizinho jogar futebol naquele campinho. Entendi então que aquele menino era o meu Tio Luiz e corri na direção do campo.

Mesmo com pressa, vi o “seu” Tonico Canela e sua esposa dona Adalgisa na janela do sobrado deles. Depois vi o Zé Alexandre Bernardi conversando com a sua mãe dona Cidinha e passei em frente do antigo armazém do Atilio Corsi. O caminhão do Dalo estava saindo do antigo armazém do vô Último e vi o tio Étore Nicioli, que gritou, abrindo um sorriso e ainda mais os olhos: - Tô indo pra Jacutinga!
Continuei em frente, até que cheguei ao campo da Prainha. Lá vi o Jair Codorna, o Gordo e o Tio Luiz, já sem cabelos, orientando um jogo do “Garapa”. Mas não vi meu avô.
Abracei meu Tio Luiz e perguntei-lhe onde estava meu avô e ele me disse que seu pai havia retornado para casa.

Resolvi voltar para lá, já sem tanta pressa, e senti o cheiro do biscoito caseiro do Dito Cirino. No fundo da casa, vi o forno e ele me deu um biscoito para saborear.

Em frente da casa do meu avô, vi o Canelão e sua esposa dona Helena Canela com uma criança no colo. Apareceu, de repente, uma senhora de uns 38 anos de idade, que eu não reconheci e pegou o menino no colo levando-o para dentro da casa do meu avô.

Mais uma vez subi correndo as escadas e abri a porta da casa dele, novamente deserta. Procurei em todos os cômodos e não vi ninguém, só o telefone preto antigo, entre a copa e a sala. Peguei meu celular e disquei o número do telefone do meu avô, 165: O telefone tocou e um clarão azul veio do quarto, de onde meu avô saiu pra atender com seu sotaque italiano:

- Prrooonto!

- Bença Vô.

- Deus te abençoe Marcinho!

- Vô, quem era aquela senhora com o bebê no colo que entrou aqui?

- Era a sua vó Júlia Taveira, minha primeira esposa. Ela veio trazer o nosso filho Zé Otávio para permanecer junto de nós.
               
                

8 comentários:

  1. Márcio, que emoção! Revi cada rosto, senti cada cheiro e revivi cada sentimento daquela época maravilhosa. Obrigado. Parabéns pela descrição tão sensível e terna de cada pessoa que se foi e de cada sentimento tão profundo que sempre guardaremos, passe o tempo que passar...

    a sua forma de descrever essa descida pela rua direita é uma cena de cinema, muito bom!

    E que homenagem bonita ao zé otávio, muito emocionante...

    abraços,

    mário

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  2. marcio,

    a complementar lembro que ao colocar a tia helena canela com ele nos braços lembra a desavença familiar maria canela versus helena canela na crição do zé otávio. Vc. citou isso propositalmente ? Só isso já daria um filme...

    Além disso, ao sair correndo da casa da nonna após se lembrar do seu avô, oh! sorry, só sei que você me emocionou muito...

    abraços,

    mário

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    1. Olá Mário,
      Antes de tudo, minha intenção era aliviar meu sofrimento... e me senti muito bem quando terminei de escrever, pois fiz a noite, no mesmo dia do enterro do tio Zé Otávio.
      Sobre a dificuldade natural da Dona Helena se separar do tio Zé Otávio, pois foi ela quem cuidou dele por muito tempo, eu já sabia; porém, não foi esta minha intenção. Na verdade, minha intenção era colocar o tio Zé Otávio nos braços de sua mãe, que não teve a oportunidade de abraçá-lo.
      Forte abraço, Márcio.

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  3. Oi Márcio, quanta gentileza sua ainda explicar algo que é na verdade uma grande homenagen a todos que se foram. Eu gostei tanto do seu texto que o reli várias vezes e acabei percebendo que ele poderia ser ampliado, desenvolvido: você tem talento, porque não escreve um livro ? E novamente grato pela emoção que me proporcionou. Abraços. Mário

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    1. Olá de novo "tio" Mário... :)
      Eu também releio o texto frequentemente e refaço a minha descida da Rua Direita e também vou percebendo que o texto poderia ser ampliado. Eu gostaria de falar do armazém do vô Último, por exemplo, de quando entrávamos lá, dos cheiros (da mortadela, do café moído na hora, dos copos de pinga na pia), dos sabores (do canudinho de doce de leite, da fanta uva, da concha com farinha de trigo e açúcar cristal). Enfim, as idéias vão brotando toda vez que desço a Rua Direita. Quem sabe, poderíamos fazer algo coletivo (com as suas idéias e de outros que quiserem inserir algo)...
      Sobre o livro, creio que tenho muitas histórias pra contar. Só falta uma coisinha: TEMPO... :)
      Então: bença "tio" Mário... :-).
      Forte abraço, Márcio.

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    2. Marcio, tudo bem ?

      Boas lembranças. Mas a concha no armazém era com farinha de milho (com farinha de trigo ia ser bem punk) e acúcar cristal, e como era bom. A visão dos copos de pinga naquela piazinha de granito era muito impressionante porque nossa altura fazia nossa visão estar na altura da pia e tornava especial aquela cena, que bom lembrar disso.
      Deus te abençoe,
      abraços,
      Mário

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  4. Márcio, muito obrigado pela homenagem feita para meu pai. Com certeza, qualquer coisa dita sobre ele, nos alivia um pouco o sofrimento.

    Abraço meu primo,
    Rodrigo.

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    1. Olá Rodrigo,
      Você sabe o quanto eu estimava seu pai. Então, na verdade, só fiz o texto pra aliviar meu sofrimento.
      Abração pra você, pro Rafael e pra Vera.

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